terça-feira, 19 de outubro de 2010

Folhas e fruto da mamona





Flor



Pequena flor

Pequena flor

Como pequena flor que recebeu uma chuva enorme
E se esforça por sustentar o oscilante cristal das gotas
Na seda frágil, e preservar o perfume que aí dorme

E vê passarem as leves borboletas livremente
E ouve cantarem os pássaros acordados sem angústia
E o sol claro do dia às claras estátuas beijando sente

E espera que se desprenda o excessivo, úmido orvalho
Pousado, trêmulo, e sabe que talvez o vento
A libertasse, porém a desprenderia do galho

E nesse temor e esperança aguarda o mistério transida
- Assim repleto de acasos e todo coberto de lágrimas
Há um coração nas lânguidas tardes que envolvem a vida

Cecília Meireles

Flor/Alegrete/RS/2010



O VELHO E A FLOR

O VELHO E A FLOR

Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.

Vinícius de Moraes

Copo-de-leite/Alegrete/RS/2010



Copo-de-leite

Copo-de-leite

Copo-de-leite, flor delicada com maciez de uma seda, forte de corpo verde, com sua haste comprida e sua folha larga, densa, brilhosa, branco e delicado como uma taça de cristal puro... com seu pistilo na cor amarela e sua pureza de flor...

Flores do campo/Alegrete/RS/2010




A Flor Que És

A Flor Que És

A flor que és, não a que dás, eu quero.
Porque me negas o que te não peço.
Tempo há para negares
Depois de teres dado.
Flor, sê-me flor! Se te colher avaro
A mão da infausta esfinge, tu perene
Sombra errarás absurda,
Buscando o que não deste.

Ricardo Reis - Odes De Ricardo Reis

Fernando Pessoa

Flores



PASSA UMA BORBOLETA

PASSA UMA BORBOLETA
(do "Guardador de Rebanhos" - Alberto Caeiro)

Fernando Pessoa

Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Flores amarela



Flores


Num Meio-Dia de Fim de Primavera

Num Meio-Dia de Fim de Primavera (trecho)


Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Fernando Pessoa
( Alberto Caeiro )

Flores do Alegrete/RS/2010




Canção da Primavera

Canção da Primavera

(Para Érico Veríssimo)

Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.

Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.

Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até

Não mais saber-se o motivo…
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!

Mário Quintana

Rosa branca/Alegrete/RS/2010

Quinto Motivo da Rosa

Quinto Motivo da Rosa

Antes do teu olhar, não era,
nem será depois, - primavera.
Pois vivemos do que perdura,

não do que fomos. Desse acaso
do que foi visto e amado:- o prazo
do Criador na criatura...

Não sou eu, mas sim o perfume
que em ti me conserva e resume
o resto, que as horas consomem.

Mas não chores, que no meu dia,
há mais sonho e sabedoria
que nos vagos séculos do homem.

Cecília Meireles

Rosa/Alegrete/RS/2010

Quarto Motivo da Rosa

Quarto Motivo da Rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.

Cecilia Meireles

Rosas vermelhas/Alegrete/RS/2010

Terceiro Motivo da Rosa

Terceiro Motivo da Rosa

Se Omar chegasse
esta manhã,
como veria a tua face

Omar Khayyam,
tu, que és de vinho
e de romã,
e, por orvalho e por espinho,
aço de espada e Aldebarã?

Se Omar te visse
esta manhã,
talvez sorvesse com meiguice
teu cheiro de mel e maçã.
Talvez em suas mãos morenas
te tomasse, e disesse apenas:
"É curta a vida, minha irmã".

Mas por onde anda a sombra antiga
do âmago astrônomo do Irã?

Por isso, deixo esta cantiga
- tempo de mim, asa de abelha -
na tua carne eterna e vã,
rosa vermelha!

Para que vivas, porque és linda,
e contigo respire ainda
Omar Khayyam

Cecilia Meireles

Rosa/Alegrete/RS/2010

Segundo motivo da rosa

Segundo Motivo da Rosa
(a Mário de Andrade)

Por mais que te celebre, não me escutas,
embora em forma e nácar te assemelhes
à concha soante, à musical orelha
que grava o mar nas íntimas volutas.

Deponho-te em cristal, defronte a espelhos,
sem eco de cisternas ou de grutas...
Ausências e cegueiras absolutas
oferece às vespas e às abelhas.

E a quem te adora, ò surda e silenciosa,
e cega e bela e interminável rosa,
que em tempo e aroma e verso te transmutas!

Sem terra nem estrelas brilhas, presa
a meu sonho, insensível à beleza
que és e não sabes, porque não me escutas...
Cecilia Meireles

Rosa/Alegrete/RS/2010

Primeiro motivo da rosa

Primeiro Motivo da Rosa

Vejo-te em seda e nácar,
e tão de orvalho trêmula,
que penso ver, efêmera,
toda a Beleza em lágrimas
por ser bela e ser frágil.

Meus olhos te ofereço:
espelho para face
que terás, no meu verso,
quando, depois que passes,
jamais ninguém te esqueça.

Então, de seda e nácar,
toda de orvalho trêmula, serás eterna.

E efêmero o rosto meu, nas lágrimas
do teu orvalho... E frágil.
Cecilia Meireles